Matéria originalmente publicada no site da Folha de S. Paulo
Frequentemente, ouvimos que quando nasce uma mãe, nasce também uma culpa. E ela pode surgir por diversas razões: por não conseguir amamentar, por não conseguir se dedicar tanto ao filho devido à vida profissional ou mesmo por não conseguir dar conta de tudo sozinha – o que é absolutamente normal.
A maternidade traz um misto de sentimentos, sensações e emoções. E, para muitas mães de fissurados, isso não é diferente. Fissurados são as crianças que nascem com fissura labiopalatina, uma malformação que afeta o lábio e/ou o céu da boca e pode trazer sérias consequências quando não tratada corretamente.
Não é incomum, ao receber a notícia que o filho ou filha tem fissura labiopalatina, muitas mães ficarem apreensivas e se questionarem: será que eu vou dar conta? Será que vou conseguir me dedicar totalmente ao meu filho e ajudá-lo no processo de reabilitação? E a minha resposta é: vai!
Vai porque uma mãe é capaz de fazer tudo por um filho. E porque, atualmente, o tratamento para quem tem fissura labiopalatina é humanizado – os profissionais de saúde são habilitados em ouvir, aconselhar e respeitar as opiniões e emoções dos pacientes e familiares com o objetivo de proporcionar um tratamento mais digno.
Isso faz toda a diferença, uma vez que leva em consideração a necessidade e particularidade de cada indivíduo. Esse cuidado humanizado envolve uma equipe médica especializada e uma abordagem multidisciplinar – com fonoaudiólogos, ortodontistas e nutricionistas, por exemplo.
E tudo começa com informações precisas sobre a condição e acolhimento. Isso porque, à primeira vista, as fissuras impactam esteticamente. Para corrigi-las, é necessário passar por, em média, duas cirurgias ainda nos primeiros meses de vida. E em consultas com diferentes profissionais especializados que dão apoio para além do aspecto cirúrgico.
Também é preciso lidar com a apreensão das mães quando abordamos sobre a anestesia e pós-operatório. Em alguns casos, essas questões chegam a desencorajar a continuidade do tratamento. Dessa forma, o acolhimento por parte dos profissionais envolvidos é mais que fundamental: tranquiliza tanto a criança quanto a mãe.
Tudo isso alinhado com o restante da equipe multidisciplinar, porque, afinal, não é apenas um problema estético. As fissuras, quando não tratadas por inteiro, podem gerar dificuldades para comer, respirar, ouvir e falar – além de dificuldades de socialização e baixa autoestima.
Por isso, as consultas com a psicopedagoga são de extrema importância. Por meio delas, é possível prepará-los para os desafios, momentos de apreensão, e ainda, para construção da autoestima da criança.
Com a nutricionista, garantimos que o paciente esteja bem nutrido em todas as etapas do tratamento. É preciso orientação durante as fases alimentares, a depender do tipo de fissura. E o peso é um fator primordial para os procedimentos cirúrgicos.
Com a fonoaudióloga, fazemos a terapia de fala, evitando ao máximo o desenvolvimento da voz fanha ou anasalada. A dentista e ortodontista monitoram o desenvolvimento bucal e passam as orientações relacionadas à higiene, combatendo cáries e outras doenças relacionadas, e acompanham o alinhamento dos dentes.
Para além das orientações e cuidados, essa troca entre equipe e mãe também enriquece os estudos relacionados à condição. Algumas pesquisas apontam que o período pré-cirúrgico também é de suma importância para a recuperação das crianças fissuradas.
Hoje, no campo dos avanços, conseguimos adaptar para a realidade brasileira uma ferramenta que ajuda nos resultados pré-cirúrgicos e, em breve, será possível mapear as probabilidades de ocorrências genéticas de fissuras.
Não podemos eximir a mãe de um sentimento de culpa e insegurança, mas conseguimos municiá-la de informações, cuidado e carinho. É por meio dela que o sucesso do tratamento se sustenta.
A verdade é que quando nasce uma mãe, nasce uma esperança – a de poder proporcionar um futuro feliz e saudável para o seu filho.
* Daniela Tanikawa é cirurgiã plástica craniofacial, pesquisadora e membro do conselho consultivo da Smile Train, organização sem fins lucrativos voltada ao apoio a pacientes com fissura labiopalatina